
O Desenho opera mediações entre inúmeros paradoxos, já desde o lugar do desenhista: um espaço entre duas experiências – a experiência que advém no momento de ver; e outra, aquela que se deseja provocar no olhar do expectador. O objetivo último do desenhista é processar (recriar plasticamente) a experiência visual que recebe, de modo a fazer conhecer ao espectador também essa experiência. Assim, desenhar é viver experiências (no sentido de processá-las) e reproduzir experiências.
O que suscita experiências no espectador é a emulação de coordenadas que orientam e vertebram sua “sensação de realidade”. Toda experiência humana é guiada por essas coordenadas, que pertencem à ordem do simbólico, da linguagem. Cabe ao desenhista recriar as condições em que essas coordenadas atuam. No caso do desenho, para a experiência visual funcionar é preciso efetivar a ilusão de tridimensionalidade – fazendo com que o espectador veja uma figura humana, onde antes só havia parede, tela, papel, suporte em branco bidimensional. E não é outra senão a técnica o elemento que confere ao artista o modus operandi destas coordenadas.

O DESENHO É A MATEMÁTICA DA FORMA
Outro paradoxo constitutivo do Desenho, desta vez em sua mecânica prática: no momento em que desenho, não posso olhar para meu modelo; quando enfim o vejo, não posso desenhar. Ou bem olho para o papel enquanto desenho, ou bem olho o modelo (instante esse em que não desenho). É nesta lacuna, nesta paralaxe entre modelo e papel que o desenho acontece em sua forma ideal – primeiro síntese que se opera na mente (ou olhar) do desenhista, para então depois plasmar-se no papel a partir do confronto com os materiais expressivos. Apenas isso é suficiente para imbricar uma série de questões: o que desenhamos não é o que vemos, mas o que sabemos da forma vista – nossa memória dela? Todo desenho, por conseguinte vem da “imaginação”? Como é possível à matéria precária dos materiais artísticos traduzir a complexidade de uma ilusão como o corpo humano no espaço?

O desenho se processa através da codificação visual do que é visto e sua subsequente decodificação em linguagem plástica. Noutras palavras ainda, consiste em traduzir o conteúdo do olhar em soluções formais. Assim: vejo o modelo, interpreto com o olhar a sua imagem e procuro expressar essa interpretação nos termos da visualidade, com ajuda dos materiais, na prática (um escritor tentaria usar os elementos da gramática com o mesmo intuito). Numa definição mais genérica, esse trabalho de co/decodificação apresenta o desenho como o “pensamento da forma”; desenhar é pensar a forma.
O DESENHO É A ETIMOLOGIA DA ARTE
Outro paradoxo de fundo da atividade desenhística, expresso numa luta intestina entre as escolas históricas desde o início do Renascimento, é a disputa entre linha X cor (linear X pictórico). O esteta suíço Heinrich Wölfflin percebeu, com uma interpretação notável, os resultados desta aplicação em sua caracterização dos estilos linear e pictórico. Em síntese, ele conjuga numa esquematização de princípios toda arte ocidental como subordinada a uma dessas categorias estilísticas. A “arte linear” baseia-se no desenho, na proporcionalidade, na linha e na dimensão harmônica; a “pictórica” baseia-se na cor, na gravidade, na ambientação, no arrebatamento emocional.
Um campo de trigo, com casas de camponeses e respigadores trabalhando importam menos a Van Gogh do que o estado passional pelo qual o artista estava passando no instante exato em que os pintou. A ressonância presente da cor nos informa menos uma história acontecendo externamente do que a dimensão emocional subjetiva do artista – e é isso mesmo de que trata qualquer obra de Van Gogh, assim como do Romantismo e, talvez, parte essencial do Barroco. A cor é o pathos, a emoção presente, o arrebatamento do momento, indefinível conceitualmente.

Já o “conceito” é propriedade da linha, do desenho linear – capaz de produzir discursos, contar histórias, emitir opiniões. Sendo o “eixo intelectivo” das produções artísticas – quer dizer, o fio condutor da narrativa ou da representação simbólica, o desenho linear apresenta a origem da imagem, o conteúdo constitutivo que revela sua estrutura de sentido. Deste modo, ao resgatar lacunas de vazio da percepção, o Desenho ressuscita a obviedade dos espaços mortos de afeição e sentido; é um exercício de etimologia.
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Parte do conteúdo teórico a ser ministrado no Workshop“Figura Contemporânea” (Porto Alegre | 28 de março, 04, 11 e 18 de Abril | 2017) Mais informações aqui!
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ERNESTO BONATO “maré” (módulo 05) | xilogravura, 94 x 194 cm, 2015, p.a.










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