
Primeira parte do conteúdo a ser ministrado na Oficina“FIGURA CONTEMPORÂNEA: Técnicas tradicionais e Hiper-realismo” (Florianópolis | 23, 24 e 25 de Fevereiro | 2016)
A expressão é o que possibilita a existência – é sua plataforma constitutiva e fundacional. Logo que expresso, passo a existir, uma vez que minha existência é “informada”, posta na fôrma da linguagem, tornando-se inteligível. Freud afirmava que o ser se “humaniza” quando nasce para a linguagem. Essa declaração, elaborada mais profundamente por Jacques Lacan, pode ser resumida do seguinte modo: o processo de humanização do ser falante se caracteriza pela inscrição no mundo dos símbolos. Lacan conceitua um elemento de auxílio no reconhecimento da relação do ser com ele mesmo e com os demais: o “Estádio do espelho”. Ao ver a totalidade de seu corpo refletida na imagem do espelho, o ser é capaz de apreender sua forma – que antes se confundia com o corpo do mundo, e diferenciar-se dele, apropriar-se, possuir a si próprio. É através desse processo de reconhecimento da imagem que se dá a constituição do “eu”; é através dele (e do olhar do outro) que a existência do sujeito se manifesta.

A arte é um campo do simbólico capaz de expressar. Mas, por detrás desta obviedade, o que vem a ser “expressão” possui um sentido bem diverso do senso comum. A partir do final do século XVIII esse termo passa a ter o significado que lhe damos hoje, mas até então expressão significava a “conformação adequada a um padrão”: expressar-se “bem” era falar de maneira adequada conforme um padrão normativo dado. No século XIX há uma inversão radical: o termo passa a se referir à capacidade do artista em quebrar a regularidade da forma sem desestruturá-la completamente por meio de uma linguagem particular. Isso gera uma desestabilização da avaliação crítica, pois, se antes o julgamento da arte atinha-se à adequação da linguagem (ou da obra) a um padrão vigente, passou a ser justamente o contrário – a linguagem singular do artista criava suas próprias regras, abolindo a ideia de “padrão”.
A crença romântica na genialidade do artista criou um equívoco largamente difundido: o de que há uma essência prévia especial do artista que procura expressão. Mas o sentido original qualificava a expressão como possibilidade de exploração, aprofundamento e desenvolvimento formal. Expressão é a desestabilização da estrutura formal da obra, até o limiar de sua desarticulação – sem, no entanto perdê-la de todo, o que não faria sentido.
Se o objetivo das vanguardas fosse esgotar a forma para torná-la inútil, bastaria simplesmente que se abrisse mão dela a priori. Pois foi justamente isso o que a Academia fez: partiu do princípio de que a arte fora superada em seu âmbito formal, de que estava esgotada sua dimensão plástica (desenho, pintura, etc), e partiu daí para outras categorias artísticas (instalação, performance, etc). Esta é a conclusão pesadelar do fetichismo da “novidade pela novidade”.

Lemos uma boa síntese da relação “tradição x inovação” na tese de Nara Amelia Melo da Silva (2014)[1]:
Tomando como paradigma a concepção de Richards, de que todo poeta trabalha com uma linguagem herdada dando-lhe novas formas, Gombrich propõe que as tradições também estão implicadas no trabalho com o imaginário das artes visuais. Para o historiador, é um pressuposto para qualquer reflexão estética conhecer o lugar das convenções e tradições no processo de criação. (2012, p. 171) Conforme Gombrich, Richards constata que o uso que fazemos da linguagem é um débito que temos com o passado, com a tradição na qual ela se desenvolveu, com os “inúmeros representantes de nossa espécie, que, cuidando dos significados, desenvolveram a Mente desconhecida do Homem” (RICHARDS apud GOMBRICH, 2012, p. 182). Por esse motivo, Gombrich assegura que o processo de influência está necessariamente implicado na criação artística, seja escrita ou visual, embora muitas vezes a discussão da influência tenha sido evitada ou erroneamente associada ao plágio, ou “como se estivéssemos acusando um gênio de ter roubado ideias de um terceiro”. (GOMBRICH, 2012, p. 182) Discutir a influência no processo de criação é, para o historiador, considerar o uso que fazemos das convenções que são herdadas, que aprendemos através das tradições. Entendemos assim que todo artista passa por um processo de absorção de tradições e experiências, que o levará a se posicionar particularmente em relação a esse universo de referências, através da sua prática. (grifo nosso)
Um dilema fundamental da Estética é a aparente dicotomia entre técnica e conceito. Quando um trabalho possui somente técnica, torna-se ciência exata; quando é apenas conceito, assume proporções de tratado acadêmico. Ambos os polos podem redundar no mesmo alheamento daquilo que conhecemos como arte. Mas para além do academicismo e da Arte Conceitual, o realismo contemporâneo a que temos aludido consegue de certa forma conciliar esses extremos. Unindo a tradição pictórica do desenho e da pintura às questões da contemporaneidade, logra alcançar a expressão daquilo que ainda não tem imagem, não tem figura – mostrando assim a ausência, a lacuna, o vazio daquilo que ficou por expressar, o qual passa a integrar-se ao repertório do nosso imaginário.

[1] MELO DA SILVA, N. Alegorias do estranho. 2014. 298 f. Tese (Doutorado em Poéticas Visuais) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014, PDF.
Informações sobre a Oficina:
http://wp.me/p4ZVe4-a6
Imagem da capa:
RÓMULO CÉLDRAN, “Abstracting I”, 2012 | lápis e acrílico sobre tela, tríptico (76 x 92 cm), (76 x 92 cm), (76 x 176 cm)










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